quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O esperto e o trouxa

Ninguém precisa abraçar a onda dos (des)valores sociais. O caminho mais curto e aparentemente mais fácil não dá retorno a médio e longo prazo. Garantir o que é seu é pouco, é preciso pensar e garantir o nosso – sempre. Um dia, o esperto de hoje vai perceber que nunca foi esperto, e que perdeu tempo demais tentando se sobressair à custa dos demais. A vida é incerta e nossas decisões, os caminhos que resolvemos tomar e as ações que costumamos executar podem resultar ou não no bem estar nosso e do outro. Pensar em bem estar comum acima do individual e ao menos tentar pôr essa idéia em prática ainda vai nos levar à felicidade sonhada, mas que ainda é pouco experimentada.

Por existirem muitos “espertos” lutando para garantir o seu lugar ao sol no emprego, nos bens, nas relações, é que temos a sensação do mundo ter se perdido e se apegado a coisas que simplesmente não valem a pena. Podemos cultivar sementes de amor ao próximo ou deixá-las morrer precocemente. Quem nada planta não se sustenta em pé. Sempre temos escolhas, e somos responsáveis por elas.

Não é preciso devolver na mesma moeda ou “fazer valer” seus direitos por orgulho ferido ou qualquer outra baboseira inventada como importante. Não é necessário provar nada a ninguém ou demonstrar poder, autoridade ou esperteza passando por cima das pessoas. A vida passa, e rápido. Quem sabe o trouxa dos dias atuais possa ser o esperto do amanhã.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Mudança social - do Ter para o Ser

No momento em que o indivíduo tem dinheiro, ou um bom emprego, ou então alguns bens materiais ele se destaca no nosso atual meio social. Não é raro nos depararmos diariamente, nos meios de comunicação, que ter carro mais moderno ou casa mais luxuosa pode trazer felicidade. As novelas a vendem através do poder de consumo dos personagens mais ricos que são representados pela família feliz com muitas posses e que não tem com o que se preocupar. Além disso, as revistas de celebridades destacam que ator fulano está feliz graças ao que consegue comprar: melhores roupas, melhores carros, melhores casas. Esses valores são passados para a sociedade de tal modo que o indivíduo pode mergulhar nessa obsessão pelo ter como algo que o transformará num ser diferente do atual. Afinal, as pessoas que tem dinheiro e que consomem só aparecem sorrindo. Que mal haveria em precisar ter para ser feliz?

Sem nos darmos conta, ter vira sinônimo do ser, mas as contradições cotidianas vão pondo em cheque o alcance da felicidade quando se segue esse modelo fundamentado no cosumo. Ainda que o indivíduo sonhe com o acesso a determinados produtos ou serviços do mercado, mesmo que o sonho se realize, em pouco tempo, outros produtos substitutos vão torná-lo obsoleto. Por mais que o adolescente tenha economizado para comprar o celular mais moderno para se destacar entre os colegas do colégio, brevemente outro celular vai substituir aquele produto. Desse modo, o adolescente que foi ensinado dentro dos valores da atualidade que pregam que sua estima está naquilo que tem, tende a se sentir tão ultrapassado e deixado de lado quanto o celular.

Algumas estratégias de marketing usaram isso de tal modo que se difundiu a idéia de que padrões mais altos de consumo trazem uma ascendência, um destaque e, conseqüentemente, a felicidade. O problema é que o destaque é temporário e frágil quando se baseia no conceito que o indivíduo constrói de si através do ter. Isso ocorre devido à lógica de consumo não te dá garantia de ser ou de se sentir “melhor”, pois aquilo que parece concreto para a pessoa deixa rapidamente de ser relevante. Além disso, o objeto não preenche o vazio que antecede o desejo de consumir. A estima do ser desmorona junto com o ter possibilitando aumento da frustração e necessidade de afirmação ainda maior através do ter. Somos ensinados a reconhecer o outro por aquilo que ele tem, e não por aquilo que ele é.

Partindo dessa idéia, mais disputa por atenção e necessidade de reconhecimento vão se estabelecendo nas relações de ter tanto de crianças, quanto de jovens e adultos. Quem já não presenciou a cena de uma criança, por exemplo, dizendo que é mais amada porque tem mais brinquedos que outra? Quem nunca viu um adolescente buscar chamar mais atenção ou se sentir diferenciado dos colegas no colégio por ter um celular novo, mais tecnológico? Quem não já observou alguns adultos que, ao buscar aprovação dos amigos, esbanjam o que tem como se isso pudesse incrementar seu próprio valor?

Disputas por afeto, principalmente através do ter, desembocam numa hipercompetitividade que não tem ganhadores. A sociedade desenvolveu (e é impressionante como essa habilidade é aguçada na atualidade) a prática de desmerecer as conquistas do outro enquanto que, paradoxalmente, as pessoas sentem a necessidade do reconhecimento externo. Como o reconhecimento do ser pelo que ele é não é ensinado e praticado desde cedo, se torna comum a disputa dos seres humanos por destaque individual através do que a pessoa tem ou dos erros e dificuldades dos outros. É uma situação contraditória que leva a um estado de sadismo social, pois, enquanto no nível individual existe o desejo de se sentir valorizado, o nível coletivo tende a reconhecer somente o destaque pelo ter, ainda que este não dê segurança suficiente para o ser.

E o que acontece com as pessoas que resolvem não orientar esforços pessoais na relação de consumo para se sentir aceitos? Pela própria coerção social, aquilo que foge os costumes culturais, por mais problemáticos que eles sejam, tende a ser visto negativamente pela coletividade. Desatualizados, excêntricos, rebeldes são possíveis rótulos dados por aqueles que rejeitam diferenças no modo de pensar da minoria.

Tem-se então um dilema complexo: se por um lado o aspecto coletivo estima o individual baseado em objetos concretos, mas que não possui significado substancial e duradouro na identidade do indivíduo, por outro se tem a força da coerção social que dificulta mudança cultural. Como ajudar a si e a sociedade para um caminho que auxilie na construção de identidades mais seguras?

Antes de ter carro, de ter casa ou qualquer outra coisa, têm-se pessoas que ainda precisam de objetos para se autoafirmarem. Se o concreto, através dos bens materiais, não consegue dar sustentação e felicidade aos indivíduos, por que então não mudar atitudes de modo que valorizar pessoas se torne mais comum? Comportamentos simples do dia a dia podem despertar um novo equilíbrio social em que a desvalorização do outro ou a busca do ter para ser se tornem menos freqüentes. Ao aprendermos gradativamente a perceber o valor do outro, este pode perceber maneiras diferentes de se relacionar que não seja competindo ou desrespeitando o próximo. O ter pode deixar de ser estruturante para o ser e uma mudança social – do sadismo coletivo para a compaixão pelo próximo – se torna possível.

Independente de orientação religiosa, a mudança de valores sociais se faz necessária para a sensação de bem estar coletivo ou mesmo a busca da felicidade individual. Nos padrões sociais de hipercompetitividade que saem das relações de trabalho e permeiam fortemente as relações humanas, dificilmente as pessoas conseguem vivenciar a felicidade. Valorizar o outro pelo que tem é conseqüência do processo educacional e cultural que nos cega para as qualidades das pessoas, mas esse paradigma pode ser mudado no momento em que nos dermos conta que o modo atual de relacionamento não supre a necessidade de estima e de qualidade de vida que buscamos. Tentar aprender a ser e a reconhecer independente do ter, é o primeiro passo para que a existência humana adquira um sentido. Que ela faça sentido!

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Quando o amor se torna tirania

Esse texto pode ser um banho de água fria para as pessoas que sentem que amam demais e não são retribuídas. E, de modo geral, esse sentimento de se sentir injustiçada é mais comum nas mulheres. O relacionamento que no início andava bem para o casal pode começar a dar dor de cabeça para ambos, e a frustração se torna rotina.

Por que o relacionamento muitas vezes chega a esse ponto?

Pela forma como cada um encara a vida de casal. A mulher apresenta um forte lado emocional para o homem, e entende que o homem precisa retribuir os esforços que ela faz para estar com ele. Então, se eu abro mão de estar com minhas amigas para estar com meu namorado, o que é que custa ele abrir mão de vez enquando dos amigos dele para estar comigo? Ele até que me dá atenção, mas às vezes ele prefere estar fazendo outra coisa que não seja comigo. Será que eu não sirvo mais para ele ou será que ele não gosta mais tanto de mim?

Esses pensamentos se tornam recorrentes para a mulher e a infernizam de modo que elas precisam afastá-los o mais rápido possível. O modo como muitas delas encontraram para solucionar esse incômodo foi requisitar ao homem esforços ou pequenas provas para que possam lidar com insegurança que é a de amar e não se sentir amada. Só que daí surge outro problema que desgasta o relacionamento do casal.

Quando as mulheres dizem aos homens o que devem fazer para elas se sentirem valorizadas, mesmo que homem faça o que foi pedido, a mulher pode não ficar satisfeita com a situação, pois pode perceber que o homem não fez o que ela pediu com vontade real de fazer. A briga começa logo em seguida já que homem, indignado que cumpriu o que era para ser feito, ainda precisa lidar com o mau humor da mulher que não aceitou o que ele fez, pois ela achou que não foi sincero. O amor começa a se tornar tirania, pois existem ações que precisam ser tomadas para que a mulher ou o homem se sintam seguros na relação, quando na verdade essas ações em si não provam nada – só dificultam o sentimento do gostar sincero o outro.

O fato da mulher geralmente se doar emocionalmente muito ao relacionamento não acontece por acaso. Antropologicamente, a mulher passou milhares de anos cuidando sempre da família e do homem. Muitas vezes seu papel social era limitado a essas funções, e até hoje ainda existe uma pressão cultural em cima da mulher solteira e o preconceito social de que a mulher não consegue ser feliz se não estiver em um relacionamento.

Para o homem, durante muitos anos, a caça era uma atividade feita em bando com outros homens ou mesmo sozinhos, e só parte do dia era voltado para a família e mulher. Mesmo com o passar dos anos, o homem foi sendo criado para atividades que não o prendiam ao relacionamento ou a vida em família como a preparação para a guerra, para o trabalho, etc. Ele foi criado com relativa independência.

A mulher foi aprendendo a priorizar o relacionamento em detrimento de outras atividades de sua vida pessoal, e muitas vezes quando ela sente que o que faz não é suficiente para fazer com que o homem abra mão de outras atividades por ela, os sentimentos de frustração e insegurança se tornam comuns nos pensamentos dela. Para muitas mulheres, é prazeroso passar dias seguidos com o namorado ou com o marido, mas às vezes para o homem se torna cansativo, pois tem outras atividades que ele sente necessidade de fazer.

Logo, não adianta se chatear ou usar de chantagem emocional ou ficar mau humorada – estratégias comumente usadas - para conquistar a atenção do outro. Por mais que você seja importante para ele - e acredite é mesmo porque se não ele provavelmente não estaria contigo – existe o espaço individual que precisa ser respeitado.

Ninguém nunca vai conseguir suprir completamente a necessidade de outra pessoa, por isso é importante que cada um saiba reconhecer e valorizar o que pode dar e receber nos relacionamentos. Viver idealmente de modo que o resto do mundo deixe de ter importância para o momento a dois é fundamental em alguns momentos, o problema é quando isso se torna objetivo constante buscado por um dos dois no relacionamento do casal.

domingo, 2 de maio de 2010

Escravos do tempo racional

“Penso, logo existo.” Essa frase proferida no séc. XVI por René Descartes traduz, em parte, o que estaria por vir nos valores e organização da sociedade nos séculos subseqüentes. O filósofo separou a idéia de mente e de corpo valorizando o racionalismo como modo de conhecimento da realidade, e isso possibilitou o surgimento da ciência e da tecnologia. O homem conheceria o mundo através da razão, e buscaria objetivar experiências através de métodos específicos e delimitados.

Isso trouxe várias conseqüências para o ser humano. Os avanços na qualidade de vida objetiva da espécie ao longo dos anos são mais fáceis de perceber como novos medicamentos, avanço da tecnologia, velocidade das informações etc. A questão é que, embora a racionalidade pudesse promover maior otimização do conhecimento e do tempo, a espécie não admitiu a importância da adaptação subjetiva nas transformações ocorridas.

Vamos pegar o exemplo do tempo. No Ocidente, o valor do tempo produtivo firmado pelo capitalismo foi tão forte que não é raro encontrar pessoas que não sabem lidar com seu tempo livre. Estar ocupado e sem tempo virou sinônimo de ser produtivo. A racionalidade foi se impondo de modo que o tempo objetivo foi se destacando em relação ao tempo subjetivo. É como se, ao fazer aquilo que a sociedade te diz que deve ser feito, o sujeito se sente tranqüilo, pois pode pensar que a vida dele passa a ter sentido por ser produtivo. Nas próprias escolas, a criança vai sendo educada desde muito cedo para fazer atividades que inventaram ser produtivas, mas que na verdade em grande parte só fazem sufocar o tempo livre. Usar esse tempo para pensar e se deparar com suas questões subjetivas é quase um “estar sem fazer nada”.

Nessa lógica, as ações começam a só ter sentido se tiverem um objetivo específico. Aos poucos, as atividades que gostamos de fazer e que não possuem uma justificativa racional vão sumindo do dia a dia por parecer perda de tempo. O mais interessante é que dificilmente surge sentimento de culpa quando fazemos o que não gostamos, mas somos racionalmente produtivos; enquanto que, ao fazermos algo que gostamos e não somos tão “produtivos”, nasce mais facilmente o sentimento de culpa, mesmo sendo uma atividade extremamente prazerosa.

De repente, o indivíduo não sabe nem dizer o que está lhe causando tristeza ou sensação de vazio. Tem uma casa boa, um trabalho bom, estabilidade financeira, mas o incômodo existencial persiste, ainda que racionalmente não haja motivo para esse desânimo. A razão forneceu alternativas mobilizando o indivíduo a buscar atividades que preenchessem o tempo dito improdutivo na tentativa de sanar um buraco que não pode ser fechado dessa forma.
E de que forma então se resolve esse problema?

Saindo do escravismo da razão. Diferente do que Descartes postulou no séc. XVI, a racionalidade não consegue ser a única resposta para o entendimento humano da realidade. O tempo produtivo, no modo como foi colocado ao longo da história, tentou objetivar e dar sentido a ações que nem sempre conseguem ser significadas pela razão. O homem buscou tanto se destacar dos outros animais através da racionalidade que deixou de perceber que também é um ser emocional.

Se for parar para pensar, os outros animais não têm problemas com questões existenciais e se satisfazem simplesmente em ser. No homem, as emoções foram sendo afastadas de modo que o ter ganhou destaque em relação ao ser, e isso provocou uma ruptura nos processos de subjetivação para a espécie. É tanto que muitas pessoas se incomodam de dar espaço para o tempo livre, pois se deparam com a fragilidade de sentido que têm a própria vida que foi construída; buscam justificativas para o que fazem e não se permitem simplesmente viver alguma coisa.

Ainda que a razão tenha possibilitado o progresso da humanidade em vários sentidos, pode-se pensar: o quanto custa ainda hoje esse chamado progresso? Qual o sentido que cada um de nós tem dado a vida? A racionalidade talvez tenha se demonstrado não tão inteligente quanto se pensava ser.

Enquanto tivermos a necessidade de sufocar nosso tempo subjetivo nos afastando do real sentido que temos dado a vida, seremos escravos da razão. Ainda que insistamos nisso, o homem não é só racional e ignorar o aspecto emocional pode significar uma ruptura existencial tão drástica que será necessário no mínimo uma agenda lotada para fugir da falta de sentido que a vida adquiriu.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Eu e o Outro

Podemos resolver muitos problemas em nossas vidas na relação com as pessoas com uma mudança de postura. Todo aquele papo de paz interior e autoconhecimento se tornam válidos quando conseguimos renovar nossas lentes para vê-las de outra forma. Afinal, o modo como enxergamos as coisas pode redimensionar o que inicialmente chamaríamos de problema, e isso vale tanto nos momentos em que o aumentamos quanto para os momentos em que o diminuímos.


Por exemplo, pense agora num problema que você vive na convivência com alguém. Preste atenção nos sentimentos que envolvem a sua insatisfação e em que momentos ele acontece. Perceba agora como é que você tem lidado com essa situação: que comportamentos você tem usado para mudar o que é vivido e qual o resultado tem alcançado com isso.


É provável que você tenha chegado à conclusão que já tem tentado de tudo, mas que o outro não muda. Por mais que você insista, é como se estivesse dando murro em ponta de faca. A insatisfação vai crescendo e vamos buscando fatos para provar que o outro está errado ou que está repetindo comportamentos que nos irritam ou que nos entristece, e que ele(a) não se esforça para mudar.


A questão é que enquanto o problema estiver focado no que o outro me causa, nós tenderemos a conservar a nossa mesma postura em relação a esse outro. A percepção que temos das situações desagradáveis que vivenciamos na relação com outras pessoas acaba se remetendo a algo que é externo a nós quando na verdade não o é. No segundo parágrafo, é mais provável que se tenha apontado comportamentos inadequados do outro e não nosso, pois não temos o costume de perceber quanto a nossa forma de ver as coisas ou de responsabilizar o meio externo é fundamental no que sentimos. E essa ação de responsabilizar o meio externo ou depender da ação do outro para o que sentimos não acontece por acaso.


O homem desenvolveu ao longo de sua convivência com outras pessoas o que a Gestalt terapia chama de mecanismos de defesa neurótico. Assim como outros mecanismos de sobrevivência do organismo, o psiquismo humano tem suas formas de se defender de situações que podem ser conflitantes. Ele funciona redirecionando a percepção do sujeito para interpretações menos problemáticas para a pessoa tornando-as mais suportáveis. É o caso, por exemplo, da racionalização que usamos de quando uma pessoa morre ao dizermos que ela vai para um lugar melhor, ou de apontar um defeito no outro que na verdade é mais seu do que do outro.


Embora tenham o objetivo de nos proteger, quando se torna constante o uso dos mecanismos de defesa neuróticos e o conseqüente afastamento do contato de algo que faz parte de nossas vidas, tendemos a perder a consciência de nós mesmos. Ocorre de em maior ou menor grau dependermos da ação do outro ou esperar uma situação externa para mudar como nos sentimos. Isso porque nosso psiquismo se habitou a afastar e transformar os fatos em interpretações lapidadas para nós. Esse processo ocasiona uma dificuldade em nos responsabilizarmos por nossas próprias vidas, e é por isso que o outro toma uma dimensão tão grande na constituição do nosso eu. Não é raro encontrar pessoas que lamentam de algumas situações pela dificuldade que encontram em mudar o outro, mas elas não percebem muitas vezes na “armadilha” que criaram para si mesmas, pois se afastam do contato que elas tem com os próprios sentimentos. As defesas psíquicas que temos são importantes, mas quando usadas em excesso tendem a atrapalhar mais do que ajudar.


Se percebermos os comportamentos do outro como importantes o suficiente para determinar o que sentimos ou como agimos, dificilmente perceberemos que temos a capacidade de mudar o rumo desses relacionamentos que se tornaram complicados. Passamos a efetivamente esperar a mudança externa (comportamentos inadequados do outro) para que uma mudança interna ocorra (sentimento de bem estar consigo na relação). Sem dúvida alguma o que as pessoas fazem tem influência no que sentimos, mas quem vai determinar como isso vai nos influenciar somos nós.


Para isso, se faz necessário que possamos entender que a nossa percepção de mundo se torna tão parcial quanto nossos valores. A consciência desses valores se processa quando entramos em contato com nós mesmos e decidimos repensar nossa postura. O outro dificilmente vai mudar (a não ser que ele(a) sinta necessidade de mudança), mas podemos melhorar e muito nossos relacionamentos se abandonarmos um pouco as defesas psíquicas, e perceber o quanto somos responsáveis por aquilo que cativamos e autores daquilo que sentimos.

sábado, 24 de outubro de 2009

De volta para casa

Embora tenhamos noção de moral cristã, pouco sabemos se o que temos feito está sendo feito da melhor forma que poderia. Não sei se acontece com vocês, mas penso nisso constantemente. O deixar de fazer o “mal” já não é suficiente; nossa espiritualidade e nossos irmãos precisam mais do que isso. Na verdade, não só nossos irmãos, mas nós também. Penso também que o tempo é curto e talvez demoremos muito para nos darmos conta disso. O que realmente Ele quer de nós e de que modo nos direcionamos através de ações para o que seria o certo?
Em muitos momentos, tenho a sensação de que poderia estar fazendo algo a mais. Talvez pelo fato de que me cobro bastante em certos aspectos, mas sinceramente penso assim: somos obra divina e de algum modo podemos ou não nos conectar a esse algo maior - seja Deus, Buda ou sei lá o que estiver do outro lado.
A verdade é que perdemos tempo nos envolvendo em coisas que não fazem sentido algum. Buscamos felicidade em momentos, em bens ou acontecimentos externos e dificilmente conseguimos olhar para nós e perceber o quanto deixamos de lado as pequenas grandes coisas. Um pequeno grande abraço, olhar, ou mesmo a palavra que toma grandes proporções quando é direcionada para ajuda honesta do outro.
Na minha percepção, a caridade é maior do que aquela comumente falada em ajudar os outros naquelas campanhas solidárias ou coisas do gênero. Não que isso não tenha valor, mas a maior e mais desafiadora caridade começa dentro de casa. Isso vale para mim porque aprendi a aprender com uma pessoa que eu tinha dificuldade de relacionamento em casa – meu pai. Vivíamos brigando por qualquer besteira e foi um GRANDE desafio para mim me dar conta que nas nossas diferenças podia aprender muito com ele.
Desse modo, eu sempre me questiono... qual a verdadeira caridade que temos praticado? Algumas vezes nos envolvemos em objetivos tão egoísticos que não nos permitimos sentir o amor divino nas nossas relações. Gritamos a importância de amor ao próximo, mas nas nossas relações mais íntimas criamos obstáculos para tudo baseados no que o outro faz ou deixa de fazer. Esquecemos que podemos nos entregar e evoluir constantemente se ouvirmos aquela voz interior que nos orienta para o bem.
Esse texto está sendo escrito sem muito pensar. É isso que realmente sinto constantemente. O algo maior – seja lá o que for – pode estar presente nas nossas vidas se soubermos preparar o terreno para que ele se manifeste. Se ainda existe alguma angústia interior, por favor, reavalie suas ações, pois provavelmente você esteja se afastando daquilo que te traz paz e tranqüilidade. E nunca estamos sozinhos nesse processo. Sempre há um caminho de volta para casa.
Nem sempre vamos conseguir ser o melhor que podemos ser, mas o ato de tentar já nos ajuda a desvendar e ampliar a consciência que desenvolvemos acerca de nós e da vida. Temos a oportunidade de aprender constantemente dependendo de como assimilamos as vivências pelas quais passamos. Quando bem assimiladas, elas se tornam em experiências que podem ser amadurecidas e repassadas aos que se aproximam de nós.
Como disse no início do texto tenho sempre a sensação de que o tempo é curto. Na medida do possível quero poder aprender e compartilhar aquilo que vivo. Entregar-se ao amor divino e percebê-lo no nosso dia a dia é, na minha visão, o primeiro largo passo para o crescimento nosso e dos que estão a nossa volta.

domingo, 4 de outubro de 2009

Ego perdido

Já dizia um psicanalista famoso “o olhar do outro é o nosso espelho” (Lacan, ano). Em diversas situações essa frase faz sentido, mas acredito ser muito pouco nos limitar ao olhar social. Não só isso, esse jargão carrega em si um costume implícito de comparação que criamos na nossa relação com os outros.

Exemplificando, quando nos dizemos bonitos ou inteligentes ou carismáticos estamos nos referindo não só ao que já nos foi dito, mas nos comparamos a uma “média social” pré-estabelecida pela cultura. O sujeito, ao se considerar qualquer uma dessas qualidades, busca se destacar dos demais. É só prestar atenção. E qual o problema que isso pode causar?

Aparentemente nenhum tão grave, pois é só nos ajustarmos à lógica de competição favorecida pela luta no mercado de trabalho e pronto, problema resolvido. Ao estar numa entrevista coletiva em busca de emprego tenho que demonstrar que sou melhor que o meu concorrente. A questão são os problemas surgidos dentro dessa (i)lógica busca pela valorização. Se o ato de se valorizar implica numa comparação das minhas potencialidades em relação ao outro e se esse mercado afetivo se torna cada mais competitivo, vale tudo para se destacar.

Denegrir ou sujeitar alguém a humilhações sejam essas diretas ou indiretas é de alguma forma se assegurar de que naquele momento você mantém o outro numa condição inferior. Além disso, infelizmente, aquele capaz de fazer isso assume uma posição de destaque quando se mantém nesse lugar de opressor (Freire, ano). Assista a um filme de comédia teen americano que não vai ser difícil encontrar cenas onde a humilhação do outro se torna o centro de humor. Aquele que produz a humilhação passa a ser valorizado. Esses valores postulados vão sendo disseminados e associados na sociedade de forma que “o cinema e a literatura podem ser filosóficos a partir da própria força com que são capazes de gerar conceitos”. (Cabrera, ano)

Pode até ser que exista um “caráter” para regular essa competição por afeto. Tenho que me destacar, mas não vou derrubar o outro nesse processo. Se estivéssemos mais seguros de nós isso tudo não seria necessário.

O mercado da auto-imagem custa caro. Nas relações com as pessoas não é raro tentar vender nossa imagem buscando incessantemente que outro acredite naquilo que acreditamos de bom em nós mesmos. Ao percebermos que essa estratégia não funciona podemos recorrer a outros recursos vendidos pela sociedade de bens valorizáveis como um bom emprego, um bom salário, uma boa família. Dessa forma podemos ter a impressão de ser estimados pelo outro pelo menos por um instante.

Esse instante passa. Ser valorizado e estimado se torna um vício. O apreço social constante se torna indispensável para nossa saúde psicológica e o dia a dia alcança esse objetivo sem nem nos darmos conta. De repente, a insegurança nos guia a competir inconscientemente para conseguir aquele momento, nem que seja curto, de tranqüilidade e satisfação. A necessidade de provar para nós mesmos ou para os outros que somos capazes disso ou daquilo pode nortear nossos comportamentos.

Essa aprovação tem o valor inclusive de troca.

As relações de amizade, de namoro e de familiares se transformam quase que em relações comerciais. O que você pode me oferecer ou o que você sabe fazer; a partir disso desenvolvo uma referência em relação a comportamentos que posso ou devo tomar. A pessoa com todos os seus defeitos e qualidades passa a ser esquecida em detrimento dos serviços que esta pode prestar.
Nada disso precisa ser necessário. A noção de bem estar individual foi construída historicamente e podemos perceber as conseqüências hoje desses egoísmos. Quando os livros de auto ajuda escrevem sobre bem estar, geralmente colocam idéias que todo mundo conhece sobre a auto-valorização, mas ainda tem o foco no indivíduo. Aprender a se valorizar é extremamente importante, mas aprender a perceber o outro pode ser ainda mais construtivo do que buscar o ego perdido.