domingo, 14 de junho de 2009

O valor do autoconhecimento

Talvez um dos maiores mistérios da humanidade seja a compreensão das motivações, aspirações, paixões e medos do ser humano. Nem com anos de terapia ou análise a pessoa consegue se conhecer completamente, e essa distância do autoconhecimento faz com que possamos nos surpreender com nossas ações. O que pensamos de nós não necessariamente corresponde ao que somos e, por isso, o aprendizado no contato com o outro pode ser tão importante. Podemos amadurecer e desenvolver outras percepções acerca de nós, mas cabe ao sujeito tirar o foco do próprio umbigo e entender que não precisa ser aquilo que sempre foi. Traumas e dificuldades do passado não significam necessariamente tormento no presente e nem no desenvolvimento de relações saudáveis consigo e com o outro no futuro. É um processo de escolha permanecer na inércia.

O processo de mudança se dá constantemente, visto que nossa interação com experiências diversas nos possibilita o crescimento individual. Hoje posso estar ciente daquilo que acredito e isso me fazer bem, mas isso não garante que esses valores precisem perdurar minha vida inteira. No momento em que as mudanças pessoais se fizerem necessárias é importante que elas possam ocorrer de forma natural, a fim de que não surja um entrave que possa estar nos fazendo mal. Além disso, permanecer apegado aos antigos valores que não servem à mudança é buscar uma falsa segurança numa felicidade passageira.

Digo passageira, pois a sensação de bem estar pode até existir enquanto o sujeito corresponder às expectativas sociais durante um tempo. A questão é que não tarda a surgir uma sensação de mal estar quando os comportamentos seguidos não condizem com aquilo que acreditamos. Podemos então voltar a responder as nossas próprias demandas nadando contra a correnteza que muitas vezes se configura como a sociedade. Como somos seres sociais e precisamos de outros seres humanos, a coerção social faz com que voltemos aos modelos propostos mesmo que não nos respeitemos nesse movimento.

Não precisa ser psicólogo ou estudante de psicologia para perceber a quantidade de sujeitos que vivenciam sofrimentos devido à distância entre aquilo que acreditam ser o certo e os desejos ou o que gostariam de fazer. O apego ou a busca por satisfazer o que é pedido por valores morais rígidos vai nos torturando aos poucos na medida em que nos afastamos daquilo que queremos. Torna-se hábito adaptar-se a tudo isso.

Para além da máscara social todos nós buscamos no fundo um sentido para nossa existência. O formato ou o ideal procurado por cada indivíduo vai depender da história de vida e influências do ambiente, mas isso não tira o mérito do poder que a pessoa tem acerca de sua existência. Para Sartre (ano) estamos condenados à liberdade e essa nos responsabiliza por cada escolha que decidimos tomar. Ao finalmente compreender as possibilidades e limitações sem traumas ou moldes que dificultem nossas modificações fica mais fácil equilibrar aquilo que somos e aquilo que desejamos nos tornar.

Porque isso tudo é tão difícil?

O primeiro problema é que as possibilidades ou potencialidades de cada sujeito raramente são ressaltadas ou percebidas tanto pelos outros quanto pelo próprio indivíduo. Muitas vezes a pessoa só passa a ser reconhecida pelo outro em momentos em que se distancia desse outro; seja pelo fim de um relacionamento amoroso ou pela morte ou o que for. Nosso contexto cultural ainda pesa no sentido em que somos educados ao que não se deve fazer, ao que não se pode ser, ao que não se é permitido pensar... e isso tudo estraga nossa percepção positiva e incondicional tanto nossa quanto em relação aos outros.

O segundo problema é a dificuldade de enxergar nossas próprias dificuldades pessoais e defeitos. Numa sociedade que busca a resolução máxima de conflitos não existe espaço e nem respeito no momento de lidar com as próprias limitações. Ao buscarmos afastá-las não estamos simplesmente nos negando a nos perceber como sujeitos passíveis de erros, mas negamos também o potencial que esse conhecimento pode ter no processo de crescimento individual. Como um processo de ditadura da felicidade, nos forçamos a afugentar com todas as forças possíveis dificuldades que possam surgir. Daí a associação de tristeza ou dificuldades pessoais a quase que uma doença que precisa ser curada, embora esse sentimento faça parte da vida do indivíduo.

O processo de autoconhecimento é um artifício complexo, mas que gera frutos produtivos à felicidade e ao crescimento pessoal. Temos a liberdade de escolher aquilo que vamos absorver nos nossos relacionamentos com as pessoas e com experiências de vida. A responsabilidade existencial depende do nosso desapego ao medo das dificuldades moldadas ao longo de nossas vidas e a percepção daquilo que, com certo esforço, somos capazes de mudar. O processo de aprendizado se dá no movimento de mudança contínuo que é disponível toda vez que há mobilização para a compreensão de si. O importante é que essa ação nunca permaneça acabada.