quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Mudança social - do Ter para o Ser

No momento em que o indivíduo tem dinheiro, ou um bom emprego, ou então alguns bens materiais ele se destaca no nosso atual meio social. Não é raro nos depararmos diariamente, nos meios de comunicação, que ter carro mais moderno ou casa mais luxuosa pode trazer felicidade. As novelas a vendem através do poder de consumo dos personagens mais ricos que são representados pela família feliz com muitas posses e que não tem com o que se preocupar. Além disso, as revistas de celebridades destacam que ator fulano está feliz graças ao que consegue comprar: melhores roupas, melhores carros, melhores casas. Esses valores são passados para a sociedade de tal modo que o indivíduo pode mergulhar nessa obsessão pelo ter como algo que o transformará num ser diferente do atual. Afinal, as pessoas que tem dinheiro e que consomem só aparecem sorrindo. Que mal haveria em precisar ter para ser feliz?

Sem nos darmos conta, ter vira sinônimo do ser, mas as contradições cotidianas vão pondo em cheque o alcance da felicidade quando se segue esse modelo fundamentado no cosumo. Ainda que o indivíduo sonhe com o acesso a determinados produtos ou serviços do mercado, mesmo que o sonho se realize, em pouco tempo, outros produtos substitutos vão torná-lo obsoleto. Por mais que o adolescente tenha economizado para comprar o celular mais moderno para se destacar entre os colegas do colégio, brevemente outro celular vai substituir aquele produto. Desse modo, o adolescente que foi ensinado dentro dos valores da atualidade que pregam que sua estima está naquilo que tem, tende a se sentir tão ultrapassado e deixado de lado quanto o celular.

Algumas estratégias de marketing usaram isso de tal modo que se difundiu a idéia de que padrões mais altos de consumo trazem uma ascendência, um destaque e, conseqüentemente, a felicidade. O problema é que o destaque é temporário e frágil quando se baseia no conceito que o indivíduo constrói de si através do ter. Isso ocorre devido à lógica de consumo não te dá garantia de ser ou de se sentir “melhor”, pois aquilo que parece concreto para a pessoa deixa rapidamente de ser relevante. Além disso, o objeto não preenche o vazio que antecede o desejo de consumir. A estima do ser desmorona junto com o ter possibilitando aumento da frustração e necessidade de afirmação ainda maior através do ter. Somos ensinados a reconhecer o outro por aquilo que ele tem, e não por aquilo que ele é.

Partindo dessa idéia, mais disputa por atenção e necessidade de reconhecimento vão se estabelecendo nas relações de ter tanto de crianças, quanto de jovens e adultos. Quem já não presenciou a cena de uma criança, por exemplo, dizendo que é mais amada porque tem mais brinquedos que outra? Quem nunca viu um adolescente buscar chamar mais atenção ou se sentir diferenciado dos colegas no colégio por ter um celular novo, mais tecnológico? Quem não já observou alguns adultos que, ao buscar aprovação dos amigos, esbanjam o que tem como se isso pudesse incrementar seu próprio valor?

Disputas por afeto, principalmente através do ter, desembocam numa hipercompetitividade que não tem ganhadores. A sociedade desenvolveu (e é impressionante como essa habilidade é aguçada na atualidade) a prática de desmerecer as conquistas do outro enquanto que, paradoxalmente, as pessoas sentem a necessidade do reconhecimento externo. Como o reconhecimento do ser pelo que ele é não é ensinado e praticado desde cedo, se torna comum a disputa dos seres humanos por destaque individual através do que a pessoa tem ou dos erros e dificuldades dos outros. É uma situação contraditória que leva a um estado de sadismo social, pois, enquanto no nível individual existe o desejo de se sentir valorizado, o nível coletivo tende a reconhecer somente o destaque pelo ter, ainda que este não dê segurança suficiente para o ser.

E o que acontece com as pessoas que resolvem não orientar esforços pessoais na relação de consumo para se sentir aceitos? Pela própria coerção social, aquilo que foge os costumes culturais, por mais problemáticos que eles sejam, tende a ser visto negativamente pela coletividade. Desatualizados, excêntricos, rebeldes são possíveis rótulos dados por aqueles que rejeitam diferenças no modo de pensar da minoria.

Tem-se então um dilema complexo: se por um lado o aspecto coletivo estima o individual baseado em objetos concretos, mas que não possui significado substancial e duradouro na identidade do indivíduo, por outro se tem a força da coerção social que dificulta mudança cultural. Como ajudar a si e a sociedade para um caminho que auxilie na construção de identidades mais seguras?

Antes de ter carro, de ter casa ou qualquer outra coisa, têm-se pessoas que ainda precisam de objetos para se autoafirmarem. Se o concreto, através dos bens materiais, não consegue dar sustentação e felicidade aos indivíduos, por que então não mudar atitudes de modo que valorizar pessoas se torne mais comum? Comportamentos simples do dia a dia podem despertar um novo equilíbrio social em que a desvalorização do outro ou a busca do ter para ser se tornem menos freqüentes. Ao aprendermos gradativamente a perceber o valor do outro, este pode perceber maneiras diferentes de se relacionar que não seja competindo ou desrespeitando o próximo. O ter pode deixar de ser estruturante para o ser e uma mudança social – do sadismo coletivo para a compaixão pelo próximo – se torna possível.

Independente de orientação religiosa, a mudança de valores sociais se faz necessária para a sensação de bem estar coletivo ou mesmo a busca da felicidade individual. Nos padrões sociais de hipercompetitividade que saem das relações de trabalho e permeiam fortemente as relações humanas, dificilmente as pessoas conseguem vivenciar a felicidade. Valorizar o outro pelo que tem é conseqüência do processo educacional e cultural que nos cega para as qualidades das pessoas, mas esse paradigma pode ser mudado no momento em que nos dermos conta que o modo atual de relacionamento não supre a necessidade de estima e de qualidade de vida que buscamos. Tentar aprender a ser e a reconhecer independente do ter, é o primeiro passo para que a existência humana adquira um sentido. Que ela faça sentido!