terça-feira, 27 de outubro de 2009

Eu e o Outro

Podemos resolver muitos problemas em nossas vidas na relação com as pessoas com uma mudança de postura. Todo aquele papo de paz interior e autoconhecimento se tornam válidos quando conseguimos renovar nossas lentes para vê-las de outra forma. Afinal, o modo como enxergamos as coisas pode redimensionar o que inicialmente chamaríamos de problema, e isso vale tanto nos momentos em que o aumentamos quanto para os momentos em que o diminuímos.


Por exemplo, pense agora num problema que você vive na convivência com alguém. Preste atenção nos sentimentos que envolvem a sua insatisfação e em que momentos ele acontece. Perceba agora como é que você tem lidado com essa situação: que comportamentos você tem usado para mudar o que é vivido e qual o resultado tem alcançado com isso.


É provável que você tenha chegado à conclusão que já tem tentado de tudo, mas que o outro não muda. Por mais que você insista, é como se estivesse dando murro em ponta de faca. A insatisfação vai crescendo e vamos buscando fatos para provar que o outro está errado ou que está repetindo comportamentos que nos irritam ou que nos entristece, e que ele(a) não se esforça para mudar.


A questão é que enquanto o problema estiver focado no que o outro me causa, nós tenderemos a conservar a nossa mesma postura em relação a esse outro. A percepção que temos das situações desagradáveis que vivenciamos na relação com outras pessoas acaba se remetendo a algo que é externo a nós quando na verdade não o é. No segundo parágrafo, é mais provável que se tenha apontado comportamentos inadequados do outro e não nosso, pois não temos o costume de perceber quanto a nossa forma de ver as coisas ou de responsabilizar o meio externo é fundamental no que sentimos. E essa ação de responsabilizar o meio externo ou depender da ação do outro para o que sentimos não acontece por acaso.


O homem desenvolveu ao longo de sua convivência com outras pessoas o que a Gestalt terapia chama de mecanismos de defesa neurótico. Assim como outros mecanismos de sobrevivência do organismo, o psiquismo humano tem suas formas de se defender de situações que podem ser conflitantes. Ele funciona redirecionando a percepção do sujeito para interpretações menos problemáticas para a pessoa tornando-as mais suportáveis. É o caso, por exemplo, da racionalização que usamos de quando uma pessoa morre ao dizermos que ela vai para um lugar melhor, ou de apontar um defeito no outro que na verdade é mais seu do que do outro.


Embora tenham o objetivo de nos proteger, quando se torna constante o uso dos mecanismos de defesa neuróticos e o conseqüente afastamento do contato de algo que faz parte de nossas vidas, tendemos a perder a consciência de nós mesmos. Ocorre de em maior ou menor grau dependermos da ação do outro ou esperar uma situação externa para mudar como nos sentimos. Isso porque nosso psiquismo se habitou a afastar e transformar os fatos em interpretações lapidadas para nós. Esse processo ocasiona uma dificuldade em nos responsabilizarmos por nossas próprias vidas, e é por isso que o outro toma uma dimensão tão grande na constituição do nosso eu. Não é raro encontrar pessoas que lamentam de algumas situações pela dificuldade que encontram em mudar o outro, mas elas não percebem muitas vezes na “armadilha” que criaram para si mesmas, pois se afastam do contato que elas tem com os próprios sentimentos. As defesas psíquicas que temos são importantes, mas quando usadas em excesso tendem a atrapalhar mais do que ajudar.


Se percebermos os comportamentos do outro como importantes o suficiente para determinar o que sentimos ou como agimos, dificilmente perceberemos que temos a capacidade de mudar o rumo desses relacionamentos que se tornaram complicados. Passamos a efetivamente esperar a mudança externa (comportamentos inadequados do outro) para que uma mudança interna ocorra (sentimento de bem estar consigo na relação). Sem dúvida alguma o que as pessoas fazem tem influência no que sentimos, mas quem vai determinar como isso vai nos influenciar somos nós.


Para isso, se faz necessário que possamos entender que a nossa percepção de mundo se torna tão parcial quanto nossos valores. A consciência desses valores se processa quando entramos em contato com nós mesmos e decidimos repensar nossa postura. O outro dificilmente vai mudar (a não ser que ele(a) sinta necessidade de mudança), mas podemos melhorar e muito nossos relacionamentos se abandonarmos um pouco as defesas psíquicas, e perceber o quanto somos responsáveis por aquilo que cativamos e autores daquilo que sentimos.

sábado, 24 de outubro de 2009

De volta para casa

Embora tenhamos noção de moral cristã, pouco sabemos se o que temos feito está sendo feito da melhor forma que poderia. Não sei se acontece com vocês, mas penso nisso constantemente. O deixar de fazer o “mal” já não é suficiente; nossa espiritualidade e nossos irmãos precisam mais do que isso. Na verdade, não só nossos irmãos, mas nós também. Penso também que o tempo é curto e talvez demoremos muito para nos darmos conta disso. O que realmente Ele quer de nós e de que modo nos direcionamos através de ações para o que seria o certo?
Em muitos momentos, tenho a sensação de que poderia estar fazendo algo a mais. Talvez pelo fato de que me cobro bastante em certos aspectos, mas sinceramente penso assim: somos obra divina e de algum modo podemos ou não nos conectar a esse algo maior - seja Deus, Buda ou sei lá o que estiver do outro lado.
A verdade é que perdemos tempo nos envolvendo em coisas que não fazem sentido algum. Buscamos felicidade em momentos, em bens ou acontecimentos externos e dificilmente conseguimos olhar para nós e perceber o quanto deixamos de lado as pequenas grandes coisas. Um pequeno grande abraço, olhar, ou mesmo a palavra que toma grandes proporções quando é direcionada para ajuda honesta do outro.
Na minha percepção, a caridade é maior do que aquela comumente falada em ajudar os outros naquelas campanhas solidárias ou coisas do gênero. Não que isso não tenha valor, mas a maior e mais desafiadora caridade começa dentro de casa. Isso vale para mim porque aprendi a aprender com uma pessoa que eu tinha dificuldade de relacionamento em casa – meu pai. Vivíamos brigando por qualquer besteira e foi um GRANDE desafio para mim me dar conta que nas nossas diferenças podia aprender muito com ele.
Desse modo, eu sempre me questiono... qual a verdadeira caridade que temos praticado? Algumas vezes nos envolvemos em objetivos tão egoísticos que não nos permitimos sentir o amor divino nas nossas relações. Gritamos a importância de amor ao próximo, mas nas nossas relações mais íntimas criamos obstáculos para tudo baseados no que o outro faz ou deixa de fazer. Esquecemos que podemos nos entregar e evoluir constantemente se ouvirmos aquela voz interior que nos orienta para o bem.
Esse texto está sendo escrito sem muito pensar. É isso que realmente sinto constantemente. O algo maior – seja lá o que for – pode estar presente nas nossas vidas se soubermos preparar o terreno para que ele se manifeste. Se ainda existe alguma angústia interior, por favor, reavalie suas ações, pois provavelmente você esteja se afastando daquilo que te traz paz e tranqüilidade. E nunca estamos sozinhos nesse processo. Sempre há um caminho de volta para casa.
Nem sempre vamos conseguir ser o melhor que podemos ser, mas o ato de tentar já nos ajuda a desvendar e ampliar a consciência que desenvolvemos acerca de nós e da vida. Temos a oportunidade de aprender constantemente dependendo de como assimilamos as vivências pelas quais passamos. Quando bem assimiladas, elas se tornam em experiências que podem ser amadurecidas e repassadas aos que se aproximam de nós.
Como disse no início do texto tenho sempre a sensação de que o tempo é curto. Na medida do possível quero poder aprender e compartilhar aquilo que vivo. Entregar-se ao amor divino e percebê-lo no nosso dia a dia é, na minha visão, o primeiro largo passo para o crescimento nosso e dos que estão a nossa volta.

domingo, 4 de outubro de 2009

Ego perdido

Já dizia um psicanalista famoso “o olhar do outro é o nosso espelho” (Lacan, ano). Em diversas situações essa frase faz sentido, mas acredito ser muito pouco nos limitar ao olhar social. Não só isso, esse jargão carrega em si um costume implícito de comparação que criamos na nossa relação com os outros.

Exemplificando, quando nos dizemos bonitos ou inteligentes ou carismáticos estamos nos referindo não só ao que já nos foi dito, mas nos comparamos a uma “média social” pré-estabelecida pela cultura. O sujeito, ao se considerar qualquer uma dessas qualidades, busca se destacar dos demais. É só prestar atenção. E qual o problema que isso pode causar?

Aparentemente nenhum tão grave, pois é só nos ajustarmos à lógica de competição favorecida pela luta no mercado de trabalho e pronto, problema resolvido. Ao estar numa entrevista coletiva em busca de emprego tenho que demonstrar que sou melhor que o meu concorrente. A questão são os problemas surgidos dentro dessa (i)lógica busca pela valorização. Se o ato de se valorizar implica numa comparação das minhas potencialidades em relação ao outro e se esse mercado afetivo se torna cada mais competitivo, vale tudo para se destacar.

Denegrir ou sujeitar alguém a humilhações sejam essas diretas ou indiretas é de alguma forma se assegurar de que naquele momento você mantém o outro numa condição inferior. Além disso, infelizmente, aquele capaz de fazer isso assume uma posição de destaque quando se mantém nesse lugar de opressor (Freire, ano). Assista a um filme de comédia teen americano que não vai ser difícil encontrar cenas onde a humilhação do outro se torna o centro de humor. Aquele que produz a humilhação passa a ser valorizado. Esses valores postulados vão sendo disseminados e associados na sociedade de forma que “o cinema e a literatura podem ser filosóficos a partir da própria força com que são capazes de gerar conceitos”. (Cabrera, ano)

Pode até ser que exista um “caráter” para regular essa competição por afeto. Tenho que me destacar, mas não vou derrubar o outro nesse processo. Se estivéssemos mais seguros de nós isso tudo não seria necessário.

O mercado da auto-imagem custa caro. Nas relações com as pessoas não é raro tentar vender nossa imagem buscando incessantemente que outro acredite naquilo que acreditamos de bom em nós mesmos. Ao percebermos que essa estratégia não funciona podemos recorrer a outros recursos vendidos pela sociedade de bens valorizáveis como um bom emprego, um bom salário, uma boa família. Dessa forma podemos ter a impressão de ser estimados pelo outro pelo menos por um instante.

Esse instante passa. Ser valorizado e estimado se torna um vício. O apreço social constante se torna indispensável para nossa saúde psicológica e o dia a dia alcança esse objetivo sem nem nos darmos conta. De repente, a insegurança nos guia a competir inconscientemente para conseguir aquele momento, nem que seja curto, de tranqüilidade e satisfação. A necessidade de provar para nós mesmos ou para os outros que somos capazes disso ou daquilo pode nortear nossos comportamentos.

Essa aprovação tem o valor inclusive de troca.

As relações de amizade, de namoro e de familiares se transformam quase que em relações comerciais. O que você pode me oferecer ou o que você sabe fazer; a partir disso desenvolvo uma referência em relação a comportamentos que posso ou devo tomar. A pessoa com todos os seus defeitos e qualidades passa a ser esquecida em detrimento dos serviços que esta pode prestar.
Nada disso precisa ser necessário. A noção de bem estar individual foi construída historicamente e podemos perceber as conseqüências hoje desses egoísmos. Quando os livros de auto ajuda escrevem sobre bem estar, geralmente colocam idéias que todo mundo conhece sobre a auto-valorização, mas ainda tem o foco no indivíduo. Aprender a se valorizar é extremamente importante, mas aprender a perceber o outro pode ser ainda mais construtivo do que buscar o ego perdido.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Desnecessária agressão

Impressionante a nossa semelhança com os outros animais!

Sabe aquela frase “o animal só ataca quando se sente ameaçado ou em busca da própria sobrevivência”? Pois com o ser humano não é tão diferente. Muitas vezes atacamos outras pessoas buscando nos preservar, nos defender. Só que acabamos nos agredindo ao mesmo tempo em que nos defendemos.
E que agressão é essa?
O cachorro morde quando se sente ameaçado, a galinha bica, o gato arranha, etc. O ser humano reage de forma diferente, pois nossa evolução torna esses mecanismos de defesa mais sofisticados. Embora tenham a mesma função na sua essência, em vez das agressões físicas (que nem sempre são evitadas), o homem se defende com palavras e ações que possam garantir sua segurança física e emocional.
Da mesma forma que um cão desconfiado tende a morder desnecessariamente, o ser humano agredido emocionalmente se protege atacando antes de ser atacado. É só lembrar daquelas pessoas que não agüentam ouvir uma reclamaçãozinha e já estão apontando defeitos, gritando, virando as costas e saindo com raiva, etc. Para o que se sente previamente agredido quase tudo se torna agressor.
Certo, mas e daí... para quê tudo isso? Se fizéssemos uma avaliação do desgaste de diversos relacionamentos que mantemos poderíamos perceber que nossos comportamentos podem estar sendo extremamente agressivos para o outro. Antes que minha mulher venha a falar comigo da minha desorganização encontro uma forma de acusá-la de algo problemático para mim causado por ela. Procuro me defender antes de ser agredido.
Dessa forma, dá-se início a uma discussão interminável na qual cada um insiste em defender um determinado assunto que não tem nada a ver entre si. Afinal, não posso perder a razão, pois se isso acontecer ela pode reclamar comigo de diversas outras coisas e não terei argumentos para combatê-la. Digo combater, pois muitas vezes se torna uma guerra, na qual ambos saem feridos.
A última coisa que um ferido quer é ser agredido. A insegurança e a mágoa são feridas emocionais que quando cutucadas tendem a ter uma reação agressiva inconsciente do sujeito. Pode acontecer de uma pessoa estar gritando ou xingando a outra e no fundo estar segurando um choro ou desejando para que esse momento acabe logo, pois não quer ficar brigando com que tanto gosta. Esses comportamentos são mais freqüentes do que se imagina e, mesmo no momento da briga, parece que é difícil parar de agredir o outro, principalmente quando há uma insegurança envolvida.
Por mais irônico que possa parecer, a gente acaba ficando cego às necessidades daqueles que nos são mais próximos. A caridade se manifesta em diversas situações na ajuda econômica aos mais necessitados, mas poucas vezes percebemos que aquela pessoa que residimos de alguma forma precisa de nós.
Sem ir muito longe, isso acontece diariamente. A convivência com aqueles que nos são importantes parece que constrói uma casca ou barreira que impede que sejamos mais perceptivos as pessoas ao nosso redor. A indiferença surge como resposta corriqueira e, aos poucos, vai afastando com pequenas (ou grandes) agressões as pessoas que gostamos.
Talvez essas nos pequenos gestos sejam ainda piores do que as verbais. Imagine um filho cujo pai autoritário lhe despertou desconfiança a um ponto que qualquer tentativa de aproximação desse pai é ignorada pelo filho. O pai, por sua vez, ao se sentir inseguro e ameaçado na sua função, impõe limites e força convivência com o filho que cada vez mais se afasta dele. Esse filho encontra na indiferença uma forma de lidar com o pai e evita o contato com o ele, mesmo que o desejado seja o oposto da situação atual. Esses pequenos gestos vão destruindo a possibilidade de nos aproximar de quem amamos.
Os relacionamentos não precisam ser preenchidos de vazio. O que sentimos de afeição pelo outro pode estar claro para nós, mas em muitos momentos este não as percebe ou não as identifica como reais. “Será que ela gosta mesmo de mim?”. Muitas discussões e feridas emocionais poderiam ser evitadas se conseguíssemos perceber aquilo que é significativo para as pessoas que convivemos.
Ignorar isso pode parecer mais simples, pois não há uma implicação das conseqüências do que fazemos para nós e para o outro. Alguns relacionamentos se tornam difíceis não por falta de amor, mas por falta de demonstração ou compreensão do momento do outro. Daí surgem as agressões desnecessárias e as discussões que poderiam ser evitadas. Se pararmos para pensar, com um simples gesto ou uma palavra podemos modificar o mundo da pessoa por um dia. Que seja para melhor!

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Reforçador e Aversivo

Reforçador e Aversivo

Muitas pessoas aprendem a se perder na realidade que não as pertence. O trabalho que não se identifica, os amigos que não gosta, o lazer que não te satisfaz. Talvez esses problemas não cheguem a ser insuportáveis, mas agradável ou motivador chega a ser quase um sonho. Afinal, ninguém é feliz o tempo todo e se acostumar a situações complicadas faz parte da vida.
E se, ao parássemos para pensar, existisse um costume maior nosso de nos esquivar ou tentar nos habituar a situações desagradáveis do que propriamente identificá-las e tentar mudá-las? Não que não tenhamos situações prazerosas, mas a quantidade de vezes que nos preocupamos em nos esquivar de coisas ruins são maiores do que a do sentimento de bem estar?

Provavelmente já passamos por momentos assim e, quem sabe, vivemos assim. Faço o que as pessoas querem para não ter que lidar com queixas, omito minha opinião para que não haja confusão, me comporto assim ou assado com medo de ser julgado, etc. A sensação de vazio começa a fazer parte de nós e, vez ou outra, nos incomoda.

Ainda bem que incomoda! Viver do modo exemplificado acima é ter os comportamentos controlados por estímulos aversivos (ruins). Quando a quantidade de situações aversivas supera a quantidade de situações que nos fazem bem (reforçadoras), a sensação de vazio ou de incompletude começa naturalmente a fazer parte de nós. É só perceber aquelas pessoas que se queixam ou são mais pessimistas em relação aos diversos acontecimentos da vida, e que não percebem o quanto são acostumadas a se comportar para fugir de estímulos aversivos. E quando a tentativa de fuga do aversivo não funciona - mesmo com a tentativa do indivíduo - a raiva ou desânimo crescem ainda mais.

Até agora, nenhuma grande novidade, mas porque ao final desse texto provavelmente voltemos a nos comportar do mesmo jeito que nos traz incômodo?

Em muitas situações que vivenciamos estímulos aversivos esperamos algo de reforçador acontecer. Agüentamos aos trancos e barrancos condições ruins porque a gente acredita que algo pode mudar. Quanto maior e mais imprevisível é o intervalo do que nos é reforçador ocorre, mais esperamos ser reforçados e mais difícil abrir mão do comportamento em questão. A menina está decidida em acabar o namoro porque já não suporta mais os problemas, mas por causa de um momento de reconhecimento do homem em relação a ela (reforçador), ela muda de idéia. A menina não esperava que isso fosse ocorrer, e há muito tempo isso não ocorria – o que ocasiona dificuldade em acabar o relacionamento.

Sem mais teoria, pense agora como isso pode estar ocorrendo hoje em muitas outras situações. Tanto a fuga dos estímulos aversivos e o reforço demorado dificultam a mudança no nosso comportamento. A insatisfação toma conta do indivíduo e, sem perceber, a sua forma de ser vai se direcionando à esquiva ou à espera de um reforçador que raramente acontece. Pior ainda se as condições reforçadoras se resumirem a poucas situações na vida. O indivíduo começa a depender que elas aconteçam para se sentir feliz.

Identificar o que é reforçador para você e a partir daí buscar várias situações que isso possa ocorrer, é um passo importante para que o indivíduo experimente satisfação emocional com mais freqüência. Por exemplo, se buscamos ser reconhecidos ou valorizados será que criamos muitas situações para que isso possa ocorrer ou nos limitamos a uma pessoa específica? São muitos os lugares que nos sentimos bem com nós mesmos ou dependemos de muitas variáveis para nos sentirmos felizes? Como diria o velho ditado popular: “a felicidade está nas [várias] pequenas coisas”. O fundamental é que saibamos nos deparar, através das pequenas coisas, algo que seja reforçador para a vida.

domingo, 14 de junho de 2009

O valor do autoconhecimento

Talvez um dos maiores mistérios da humanidade seja a compreensão das motivações, aspirações, paixões e medos do ser humano. Nem com anos de terapia ou análise a pessoa consegue se conhecer completamente, e essa distância do autoconhecimento faz com que possamos nos surpreender com nossas ações. O que pensamos de nós não necessariamente corresponde ao que somos e, por isso, o aprendizado no contato com o outro pode ser tão importante. Podemos amadurecer e desenvolver outras percepções acerca de nós, mas cabe ao sujeito tirar o foco do próprio umbigo e entender que não precisa ser aquilo que sempre foi. Traumas e dificuldades do passado não significam necessariamente tormento no presente e nem no desenvolvimento de relações saudáveis consigo e com o outro no futuro. É um processo de escolha permanecer na inércia.

O processo de mudança se dá constantemente, visto que nossa interação com experiências diversas nos possibilita o crescimento individual. Hoje posso estar ciente daquilo que acredito e isso me fazer bem, mas isso não garante que esses valores precisem perdurar minha vida inteira. No momento em que as mudanças pessoais se fizerem necessárias é importante que elas possam ocorrer de forma natural, a fim de que não surja um entrave que possa estar nos fazendo mal. Além disso, permanecer apegado aos antigos valores que não servem à mudança é buscar uma falsa segurança numa felicidade passageira.

Digo passageira, pois a sensação de bem estar pode até existir enquanto o sujeito corresponder às expectativas sociais durante um tempo. A questão é que não tarda a surgir uma sensação de mal estar quando os comportamentos seguidos não condizem com aquilo que acreditamos. Podemos então voltar a responder as nossas próprias demandas nadando contra a correnteza que muitas vezes se configura como a sociedade. Como somos seres sociais e precisamos de outros seres humanos, a coerção social faz com que voltemos aos modelos propostos mesmo que não nos respeitemos nesse movimento.

Não precisa ser psicólogo ou estudante de psicologia para perceber a quantidade de sujeitos que vivenciam sofrimentos devido à distância entre aquilo que acreditam ser o certo e os desejos ou o que gostariam de fazer. O apego ou a busca por satisfazer o que é pedido por valores morais rígidos vai nos torturando aos poucos na medida em que nos afastamos daquilo que queremos. Torna-se hábito adaptar-se a tudo isso.

Para além da máscara social todos nós buscamos no fundo um sentido para nossa existência. O formato ou o ideal procurado por cada indivíduo vai depender da história de vida e influências do ambiente, mas isso não tira o mérito do poder que a pessoa tem acerca de sua existência. Para Sartre (ano) estamos condenados à liberdade e essa nos responsabiliza por cada escolha que decidimos tomar. Ao finalmente compreender as possibilidades e limitações sem traumas ou moldes que dificultem nossas modificações fica mais fácil equilibrar aquilo que somos e aquilo que desejamos nos tornar.

Porque isso tudo é tão difícil?

O primeiro problema é que as possibilidades ou potencialidades de cada sujeito raramente são ressaltadas ou percebidas tanto pelos outros quanto pelo próprio indivíduo. Muitas vezes a pessoa só passa a ser reconhecida pelo outro em momentos em que se distancia desse outro; seja pelo fim de um relacionamento amoroso ou pela morte ou o que for. Nosso contexto cultural ainda pesa no sentido em que somos educados ao que não se deve fazer, ao que não se pode ser, ao que não se é permitido pensar... e isso tudo estraga nossa percepção positiva e incondicional tanto nossa quanto em relação aos outros.

O segundo problema é a dificuldade de enxergar nossas próprias dificuldades pessoais e defeitos. Numa sociedade que busca a resolução máxima de conflitos não existe espaço e nem respeito no momento de lidar com as próprias limitações. Ao buscarmos afastá-las não estamos simplesmente nos negando a nos perceber como sujeitos passíveis de erros, mas negamos também o potencial que esse conhecimento pode ter no processo de crescimento individual. Como um processo de ditadura da felicidade, nos forçamos a afugentar com todas as forças possíveis dificuldades que possam surgir. Daí a associação de tristeza ou dificuldades pessoais a quase que uma doença que precisa ser curada, embora esse sentimento faça parte da vida do indivíduo.

O processo de autoconhecimento é um artifício complexo, mas que gera frutos produtivos à felicidade e ao crescimento pessoal. Temos a liberdade de escolher aquilo que vamos absorver nos nossos relacionamentos com as pessoas e com experiências de vida. A responsabilidade existencial depende do nosso desapego ao medo das dificuldades moldadas ao longo de nossas vidas e a percepção daquilo que, com certo esforço, somos capazes de mudar. O processo de aprendizado se dá no movimento de mudança contínuo que é disponível toda vez que há mobilização para a compreensão de si. O importante é que essa ação nunca permaneça acabada.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Sentido do trabalho

Certa vez, ao apresentar um seminário, perguntei ao público presente quais palavras lhes remetiam a cabeça ao ouvir a palavra trabalho. As respostas não variaram muito dentre dinheiro, sobrevivência, emprego e dinheiro outra vez. A partir dessas respostas comecei explicando que todas essas palavras só se remetiam a uma das concepções de trabalho e que este já foi bem mais amplo do entendimento que temos sobre ele nos dias atuais.

Para os gregos, o trabalho foi pensado em labor, poiesis e práxis (ALBORNOZ, 2008). Nessa época existia uma adaptação do trabalho às necessidades humanas e cada um dos seus três aspectos favorecia o homem. O labor era compreendido como atividade necessária à sobrevivência que exigia sacrifício humano para manter a espécie. A poiesis era entendida como prática de construção de instrumentos ou obras artísticas que demandavam motivação e criatividade do indivíduo e que era um dos modos de lazer. A práxis possibilitava o homem livre ir às praças e debater questões referentes à democracia. Após essa época, houve uma inversão do homem que adaptava o trabalho às suas necessidades para o homem que precisava se adaptar às necessidades do trabalho.

Esse processo ocorreu devido a um movimento de supervalorização do labor durante a história do Ocidente. Na Idade Média, a Igreja defendia que o trabalho que exigisse sacrifício era aquele capaz de trazer purificação do espírito na vida eterna. O sofrimento da carne se fazia necessário àqueles que desejavam o reino dos céus. Na Idade Moderna, Adam Smith separou o trabalho produtivo do improdutivo afirmando que o primeiro era aquele que traria dinheiro à nação. O mercado se auto-regularia com a lei de oferta e procura e o estado passaria a gerar empregos que favorecessem o trabalho produtivo. Esse pensamento culminaria na exploração do trabalho na Revolução Industrial, no qual existia a submissão dos operários que não tinham instrumentos de produção para o trabalho. Estar empregado se tornava sinônimo de ter trabalho e práxis e poesis eram considerados improdutivos.

Nos dias atuais, se o trabalho se torna sinônimo de emprego e se o objetivo deste é obter renda para a sobrevivência, para o consumo, ou para outra coisa, que ele possa ser pensado como um dos meios, e não como o sentido da existência. A palavra trabalho vem do latim tripalium que denominava um instrumento de madeira em formato de tripé que era utilizado para tortura pelos romanos. Além disso, nas definições da língua portuguesa, ao buscar o sentido da palavra, pode-se encontrar aproximação ao sacrifício ou ao sofrimento. Tendo isso em vista, por que o trabalho se tornou tão importante na vida do indivíduo?

Esse aspecto passou a ser fundamental na identidade do homem. Quando alguém nos é apresentado é dito primeiro seu nome e logo em seguida a sua profissão. É como se pudéssemos definir o que a pessoa é ou o que ela gosta devido à atividade que exerce. Esse primeiro conhecimento acaba, em algumas ocasiões, limitando que tipo de diálogo teremos com a pessoa que nos foi apresentada. A profissão vem em primeiro lugar para depois sabermos quem é que está por trás dela. Seria no mínimo estranho se apresentássemos alguém dizendo “esse é fulano e seu sonho é...”. Não foi isso que aprendemos a valorizar. O trabalho ainda está em primeiro plano.

O emprego pode trazer perspectivas positivas na vida do sujeito, mas não precisa ser o único referencial de sua existência. O trabalho pode ser encarado como um desafio, como crescimento ou como possibilidade de socialização, mas flexibilizar nossas vidas para corresponder às expectativas do emprego podem trazer conseqüências negativas que muitas vezes não são percebidas por nós.

Em um estudo realizado por Sennet (2007), foi revelado que algumas exigências no mundo do trabalho como uma sobrecarga de serviços fragilizam as relações humanas. O autor afirma que a rapidez nos processos de negociação e no rápido desenvolvimento da tecnologia afasta o homem do contato humano e da possibilidade de desenvolver relações significativas de amizade ou de confiança. Isso porque esses valores exigem certo tempo para serem firmados e a velocidade com a qual as coisas no trabalho acontecem distanciam a probabilidade disto ocorrer. Além disso, é crescente o número de psicopatologias que surgem através do trabalho como stress, depressão, burnout etc.

Tudo bem que ninguém vive de luz, mas viver para o labor é desperdiçar a vida em sobreviver. No Oriente o sentido do trabalho é diferente, pois não houve essa supervalorização do labor. A questão não é fugir da nossa cultura ou abominá-la, mas entender qual o sentido que temos dado ao trabalho e à vida. Lançar mão da saúde em prol do dinheiro no começo da vida, e no final da vida usar o dinheiro para resgatar saúde não faz sentido (essa idéia é de um autor que não lembro o nome). Não para mim.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

À existência de sentido

“O que importa não é o que fizeram de mim, mas o que faço do que fizeram de mim” Sartre

O mundo contemporâneo exige o cumprimento de diversos papéis sociais que nem sempre são facilitadores de uma vivência com sentido. Sentido este que muitas vezes se perde na despotencialização do ser e na desconfiguração daquilo que nos é significativo.

Um cada dia se torna um todo dia no momento que não nos implicamos na nossa existência. Explicá-la é diferente de estar implicado nela. É como um cientista que fala do objeto pesquisado, mas que não se interessa pela pesquisa. Ao explicarmos encontramos um motivo racional para o sofrimento, mas isso não o resolve. O que é sentido nem sempre pode ser explicado.

E que sentido é esse que damos as tristezas, angústias e decepções que mesmo depois de explicados continuam ali, incomodando o nosso todo dia? Sentidos não resolvidos sempre voltam. É como aquela dor de cabeça que funciona como justificativa para as preocupações, mas que nos acompanha no todo dia. Um todo dia sem sentidos.

Se reinventar e se recriar são propostas sugeridas corriqueiramente nos best sellers de saúde mental. E como todo manual e toda receita, o resultado raramente é o esperado. O reinventar-se nos implica naquilo em que sentimos, por isso não pode ser explicado racionalmente. Como num manual buscamos maneiras corretas ou estilos de vida que possam ser capazes de trazer ou promover a felicidade. O que dificilmente se atenta é que isso não funciona, caso a percepção daquilo que nos é significativo seja deixada de lado.

Em outras palavras, nossos sentidos e nossa percepção se orientam para aquilo que satisfaz as nossas necessidades. O viver bem ocorre no momento em que conseguimos usar o nosso potencial e os nossos sentidos ao nosso favor satisfazendo-as. O que ocorre é que ao estarmos acostumados a absorver fatos e pensamentos que não nos fazem bem, nos movimentamos contra aquilo que poderia ser importante para nós. A cada vez que me oriento a desconfiar das pessoas, por exemplo, dificilmente experencio um bom momento nos meus relacionamentos, pois meus sentidos não estão voltados para isso.

Ouvir as próprias misérias no momento de angústia facilita a reestruturação dos sentidos. Quando sentimos tristeza, tentamos afastá-la o mais rápido possível, mas é nesses momentos que podemos descobrir do que estamos necessitando nas nossas vidas. “O que eu tenho feito?”, “O que eu quero?”, “O que eu espero?”, “O que eu evito?”; são perguntas que auxiliam na reflexão daquilo que faz parte das nossas necessidades.

Esse texto não é uma receita. Não existe um padrão ou um modelo a ser seguido daquilo que nos pode ser significativo. Talvez uma das formas possa ser aprendendo a ouvir o que nos é indispensável, reestruturar os próprios sentidos e atentar para aquilo que nos potencializa como sujeitos responsáveis pela nossa existência.

Inclusive, os clientes em atendimento psicológico geralmente se apresentam com um sofrimento acerca dessa existência. Os sentidos que mobilizam o sujeito para a felicidade há muito tempo não são ouvidos e a vivência se torna vazia e monótona. Tão monótona que pelo fato de não se ouvir, a pessoa dá o poder a outras pessoas decidirem o que é melhor para as suas próprias vidas de forma que os sentidos se confundem com as expectativas sociais acerca de nós. Em pouco tempo, essa felicidade se vincula então ao afeto da mãe, aceitação dos amigos, ao reconhecimento do chefe no trabalho e assim vai.

Em outras palavras, quando não estamos bem tendemos a ignorar as nossas necessidades alertadas pela nossa percepção e vinculamos nossa satisfação à dependência das atitudes do outro. É tanto que, quando nos sentimos seguros daquilo que nos faz bem atendendo na medida do possível aquilo que precisamos, tendemos a perceber o nosso mundo e nossos relacionamentos de outra forma. O mundo pode estar desabando, mas quando atentamos para os fatos significativos dessas experiências, percebemos aquilo que nos faz bem.

A felicidade eterna não existe. O sofrimento faz parte da existência humana, mas a forma como lidamos com ele é que faz a diferença. Talvez esse seja o ponto mais importante nos clientes em atendimento. Reconhecer aquilo que é realmente necessário se orientando através daquilo que é sentido, pode proporcionar um crescimento no qual a pessoa se sinta potencializada e não vítima, mas agente da própria existência.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Óbvio, mas nem tanto

As coisas mais óbvias geralmente são aquelas que passam mais despercebidas e por isso mesmo deixam de ser óbvias. Com o tempo se torna dispendioso pensar sobre uma idéia tantas vezes repetida, mas que na prática raramente acontece. A banalização de pensamentos vai nos acostumando a permanecer na situação cômoda de não buscar quebrar a cabeça ou refazer valores pessoais. É óbvio que isso dá trabalho e se está bom do jeito que está, por que mudar?

Um exemplo de um pensamento bem óbvio “não adianta insistir no diálogo com uma pessoa que não entenda o que você diz”. Simples demais, mas a necessidade de fazer com o que o outro entenda o que a gente diz ultrapassa a compreensão dessa frase. A gente insiste, argumenta e finalmente desiste quando vê que “não vai ter jeito, vai continuar ignorante”. O que não se atenta quando começa essa argumentação é que o outro não está preocupado em entender a idéia transmitida e quem se mobiliza para o convencimento somos nós.

De quem é o problema?

Nosso. Quando persistimos em defender uma ação ou idéia que não faz parte das necessidades do outro e ignoramos que este não está disponível para ouvir, quem está precisando ser ouvido é a pessoa que argumenta. É tanto que não se pergunta nem se a pessoa quer mudar e já estamos bombardeando-a com conselhos ou sugestões de ações que deva tomar. Nos momentos em que começam essas discussões pode perceber que o problema existe para quem busca mudar o outro através da idéia, mas esse outro por si só não entende essa situação como ruim – talvez por ela realmente não ser ruim para ele.

Então porque insistimos em tentar mudá-lo se o incômodo é nosso? Freud(ano) ao escrever sobre os neuróticos – a grande maioria de nós – argumentava que buscamos resolver problemas, paixões e culpas através do outro. Para a psicanálise, a satisfação desses desejos se relaciona com o nosso narcisismo. Ao tentar convencer alguém de alguma idéia não confirmamos somente essa idéia, mas inconscientemente procuramos nossa confirmação. Daí fica mais fácil entender porque pode se tornar tão necessário buscar convencer o outro, pois tentamos resolver nossos problemas através deste.

O que importa é que o processo de mudança de qualquer pessoa passa primeiro por uma necessidade pessoal provocada por qualquer experiência que seja. Ignorar isso pode ser vivenciar frustração desnecessária. A estratégia do convencimento pode até atender nosso narcisismo, mas não provoca mudança efetiva em ninguém.

Pensando essa idéia em Piaget(ano) o desequilíbrio é fundamental para o aprendizado. Quando passamos por situações de desequilíbrio, a nossa necessidade de equilibração nos mobiliza para a construção de novos esquemas. Esses esquemas são modelos de associação do pensamento que recorremos para organizar nossas ações. Então até a forma como sentimos e percebemos o mundo passa por essa compreensão cognitiva dos esquemas construídos.

É por isso que aquilo que é óbvio demais ou argumentações que não fazem parte das nossas necessidades não nos mobiliza para mudanças. O óbvio não é repensado, pois já é associado aos nossos esquemas mentais anteriores. O que geralmente ocorre é que depois de criados eles são só uma forma de perceber a situação e isso ocorre de forma que começa a surgir dificuldade de vê-la a partir de outras perspectivas. Daí o problema de muitas pessoas conseguirem pensar situações de maneiras diferentes ou mesmo conseguir entender o ponto de vista do outro. Esse pode ser mais um motivo pelo qual o convencimento se torna tão necessário; ao convencê-lo ou tentar mostrar a minha visão não me esforço para sair dos meus esquemas mentais – um processo que dá trabalho.

As argumentações que não fazem parte das nossas necessidades não passam pelo processo de reequilibração por não terem sido anteriormente desequilibradas. Ignoramos a nova informação antes mesmo de ser compreendida. Quando não nos dispomos a vivenciar algo que possa provocar desequilíbrio nos apegamos aos esquemas quase como verdades absolutas. Inclusive, diferenciar firmemente certo e errado pode significar apego aos esquemas criados e dificuldade de perceber outros.

Expandir o pensamento para novas percepções além da que estamos acostumados dá trabalho. Dispor-se a isso é dar espaço para criar experiências singulares naquilo que há tanto tempo é vivido. Por mais que possamos nos negar a enxergar, nem tudo é tão óbvio quanto parece.

domingo, 19 de abril de 2009

Balança de três pratos - Parte I

1+1=3. Não podia ser diferente ao se falar de relacionamentos de casais. É comum que isso seja esquecido e daí surgem alguns problemas que se tornam insuportáveis com o passar do tempo. Ela(e) já não me faz tão bem quanto antes, me sinto preso(a) aos ciúmes dela(e), nunca consigo fazer as coisas que gosto quando estou com ela(e) etc. Essas sensações podem perpassar diversos casais quando a balança não está equilibrada.

O que seria isso? A mulher tem os próprios gostos e a própria história de vida antes de entrar num relacionamento assim como o homem. Quando os dois resolvem iniciar uma história juntos, existe um terceiro aspecto que precisa ser cultivado. O relacionamento do casal, a individualidade do homem e a singularidade da mulher compõem essa tríade que faz parte do equilíbrio emocional dos dois. Sem isso, sentimentos de aprisionamento, de se sentir desvalorizado pelo outro e/ ou ausência de motivação podem se tornar freqüentes, principalmente para uma das partes do casal.

Digo uma das partes, pois a individualidade de um acaba prevalecendo em detrimento da singularidade do outro. Não é difícil visualizar a quantidade de casais que isso ocorre – enquanto um parece se dedicar mais ao relacionamento ou busca satisfazer o outro, este outro parece não reconhecer esses esforços. Os desejos do segundo são privilegiados em relação às vontades do primeiro. Numa balança onde pesam somente dois pratos é difícil um efeito de bem estar para ambos em médio ou longo prazo.

É interessante observar que, muitas vezes, ao iniciar um relacionamento, algumas mulheres abdicam aos poucos da vida que tinham para viver para o casal. Com o passar do tempo, as amizades e o lazer que a mulher cultivava perdem espaço para a dedicação à vida a dois. A singularidade começa a ser sufocada, a prioridade se torna o relacionamento e alguns problemas começam a surgir quando essa postura é exigida dos homens. É como se tivesse aquela sensação de “Eu me dedico tanto a ele. Seria bom se ele fizesse o mesmo”.

Embora a vida de casal seja importante para os homens, muitos não estão dispostos a abdicar dos amigos, da cerveja ou do futebol. A mulher não deixa de ter sua importância, mas ela é dividida com a individualidade do homem. Isso não significa que nós não sabemos valorizar o relacionamento, mas que precisamos de nosso espaço. A grosso modo, parece ser mais comum o sentimento de frustração da mulher pela falta de atenção do outro do que no homem. E essa frustração só piora com a diferença nos modos de comunicação dos gêneros.

Watzlawick (1967) estudou os efeitos e componentes da comunicação humana e percebeu que esta tem seu aspecto digital e seu aspecto analógico. O aspecto digital da comunicação é o conteúdo propriamente dito, enquanto que o aspecto analógico se refere ao conteúdo não verbal. Então ao dizermos “eu quero água”, a informação seria o aspecto digital e o tom de voz usado, os gestos, a expressão facial seria o aspecto analógico.

Tendo isso em vista, o que se observa, de modo geral, é que há uma percepção mais apurada dos aspectos analógicos da comunicação na mulher. O tom de voz da mensagem e o uso do corpo para a transmissão da informação são às vezes mais significativos do que a própria mensagem. Uma idéia pode ser dita de diversas formas, e isso tem um peso ainda maior na percepção feminina na comunicação.

Para o homem, o que foi dito se destaca mais do que a forma como foi transmitido. Não temos a facilidade de pensar para adivinhar o que exatamente foi bom ou ruim naquele determinado momento que foi capaz de mudar completamente o comportamento feminino. Os fatos e as palavras falam por si só e, por isso, na nossa perspectiva, é difícil entender o que vocês interpretaram caso o que vocês sintam não seja dito.

Então eu diria para as mulheres que os homens precisam entender o que as frustra de forma clara e objetiva. Muitos de nós temos dificuldade de compreender se fizemos algo que as magoassem, pois o que importa para nós é o conteúdo da mensagem e não a sua forma. Não adianta ficar chata e abusada se não soubermos o que as incomoda.

Para os homens, é importante lembrar que a relevância dos nossos pequenos gestos, do tom de voz que usamos para comunicar algo e das palavras utilizadas pode arruinar ou fazer ganhar o dia da mulher que amamos. Tendo isso em vista, mesmo sem conseguir entender exatamente o que elas querem dizer com as entrelinhas, o nosso esforço real em tentar compreendê-las pode ser importante para elas.

Seja no equilíbrio dos três pratos ou nas diferenças na comunicação, a relação no casal se torna mais fácil quando há um respeito no modo de ser do outro. Brigar por achar que um se doa mais ou por achar que a culpa do relacionamento é responsabilidade do parceiro(a), não resolve os problemas. No fundo, cada um busca amar e se sentir amado assim como ser respeitado pela forma que é, e não pelo modo que o outro gostaria que você fosse.