segunda-feira, 25 de maio de 2009

Sentido do trabalho

Certa vez, ao apresentar um seminário, perguntei ao público presente quais palavras lhes remetiam a cabeça ao ouvir a palavra trabalho. As respostas não variaram muito dentre dinheiro, sobrevivência, emprego e dinheiro outra vez. A partir dessas respostas comecei explicando que todas essas palavras só se remetiam a uma das concepções de trabalho e que este já foi bem mais amplo do entendimento que temos sobre ele nos dias atuais.

Para os gregos, o trabalho foi pensado em labor, poiesis e práxis (ALBORNOZ, 2008). Nessa época existia uma adaptação do trabalho às necessidades humanas e cada um dos seus três aspectos favorecia o homem. O labor era compreendido como atividade necessária à sobrevivência que exigia sacrifício humano para manter a espécie. A poiesis era entendida como prática de construção de instrumentos ou obras artísticas que demandavam motivação e criatividade do indivíduo e que era um dos modos de lazer. A práxis possibilitava o homem livre ir às praças e debater questões referentes à democracia. Após essa época, houve uma inversão do homem que adaptava o trabalho às suas necessidades para o homem que precisava se adaptar às necessidades do trabalho.

Esse processo ocorreu devido a um movimento de supervalorização do labor durante a história do Ocidente. Na Idade Média, a Igreja defendia que o trabalho que exigisse sacrifício era aquele capaz de trazer purificação do espírito na vida eterna. O sofrimento da carne se fazia necessário àqueles que desejavam o reino dos céus. Na Idade Moderna, Adam Smith separou o trabalho produtivo do improdutivo afirmando que o primeiro era aquele que traria dinheiro à nação. O mercado se auto-regularia com a lei de oferta e procura e o estado passaria a gerar empregos que favorecessem o trabalho produtivo. Esse pensamento culminaria na exploração do trabalho na Revolução Industrial, no qual existia a submissão dos operários que não tinham instrumentos de produção para o trabalho. Estar empregado se tornava sinônimo de ter trabalho e práxis e poesis eram considerados improdutivos.

Nos dias atuais, se o trabalho se torna sinônimo de emprego e se o objetivo deste é obter renda para a sobrevivência, para o consumo, ou para outra coisa, que ele possa ser pensado como um dos meios, e não como o sentido da existência. A palavra trabalho vem do latim tripalium que denominava um instrumento de madeira em formato de tripé que era utilizado para tortura pelos romanos. Além disso, nas definições da língua portuguesa, ao buscar o sentido da palavra, pode-se encontrar aproximação ao sacrifício ou ao sofrimento. Tendo isso em vista, por que o trabalho se tornou tão importante na vida do indivíduo?

Esse aspecto passou a ser fundamental na identidade do homem. Quando alguém nos é apresentado é dito primeiro seu nome e logo em seguida a sua profissão. É como se pudéssemos definir o que a pessoa é ou o que ela gosta devido à atividade que exerce. Esse primeiro conhecimento acaba, em algumas ocasiões, limitando que tipo de diálogo teremos com a pessoa que nos foi apresentada. A profissão vem em primeiro lugar para depois sabermos quem é que está por trás dela. Seria no mínimo estranho se apresentássemos alguém dizendo “esse é fulano e seu sonho é...”. Não foi isso que aprendemos a valorizar. O trabalho ainda está em primeiro plano.

O emprego pode trazer perspectivas positivas na vida do sujeito, mas não precisa ser o único referencial de sua existência. O trabalho pode ser encarado como um desafio, como crescimento ou como possibilidade de socialização, mas flexibilizar nossas vidas para corresponder às expectativas do emprego podem trazer conseqüências negativas que muitas vezes não são percebidas por nós.

Em um estudo realizado por Sennet (2007), foi revelado que algumas exigências no mundo do trabalho como uma sobrecarga de serviços fragilizam as relações humanas. O autor afirma que a rapidez nos processos de negociação e no rápido desenvolvimento da tecnologia afasta o homem do contato humano e da possibilidade de desenvolver relações significativas de amizade ou de confiança. Isso porque esses valores exigem certo tempo para serem firmados e a velocidade com a qual as coisas no trabalho acontecem distanciam a probabilidade disto ocorrer. Além disso, é crescente o número de psicopatologias que surgem através do trabalho como stress, depressão, burnout etc.

Tudo bem que ninguém vive de luz, mas viver para o labor é desperdiçar a vida em sobreviver. No Oriente o sentido do trabalho é diferente, pois não houve essa supervalorização do labor. A questão não é fugir da nossa cultura ou abominá-la, mas entender qual o sentido que temos dado ao trabalho e à vida. Lançar mão da saúde em prol do dinheiro no começo da vida, e no final da vida usar o dinheiro para resgatar saúde não faz sentido (essa idéia é de um autor que não lembro o nome). Não para mim.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

À existência de sentido

“O que importa não é o que fizeram de mim, mas o que faço do que fizeram de mim” Sartre

O mundo contemporâneo exige o cumprimento de diversos papéis sociais que nem sempre são facilitadores de uma vivência com sentido. Sentido este que muitas vezes se perde na despotencialização do ser e na desconfiguração daquilo que nos é significativo.

Um cada dia se torna um todo dia no momento que não nos implicamos na nossa existência. Explicá-la é diferente de estar implicado nela. É como um cientista que fala do objeto pesquisado, mas que não se interessa pela pesquisa. Ao explicarmos encontramos um motivo racional para o sofrimento, mas isso não o resolve. O que é sentido nem sempre pode ser explicado.

E que sentido é esse que damos as tristezas, angústias e decepções que mesmo depois de explicados continuam ali, incomodando o nosso todo dia? Sentidos não resolvidos sempre voltam. É como aquela dor de cabeça que funciona como justificativa para as preocupações, mas que nos acompanha no todo dia. Um todo dia sem sentidos.

Se reinventar e se recriar são propostas sugeridas corriqueiramente nos best sellers de saúde mental. E como todo manual e toda receita, o resultado raramente é o esperado. O reinventar-se nos implica naquilo em que sentimos, por isso não pode ser explicado racionalmente. Como num manual buscamos maneiras corretas ou estilos de vida que possam ser capazes de trazer ou promover a felicidade. O que dificilmente se atenta é que isso não funciona, caso a percepção daquilo que nos é significativo seja deixada de lado.

Em outras palavras, nossos sentidos e nossa percepção se orientam para aquilo que satisfaz as nossas necessidades. O viver bem ocorre no momento em que conseguimos usar o nosso potencial e os nossos sentidos ao nosso favor satisfazendo-as. O que ocorre é que ao estarmos acostumados a absorver fatos e pensamentos que não nos fazem bem, nos movimentamos contra aquilo que poderia ser importante para nós. A cada vez que me oriento a desconfiar das pessoas, por exemplo, dificilmente experencio um bom momento nos meus relacionamentos, pois meus sentidos não estão voltados para isso.

Ouvir as próprias misérias no momento de angústia facilita a reestruturação dos sentidos. Quando sentimos tristeza, tentamos afastá-la o mais rápido possível, mas é nesses momentos que podemos descobrir do que estamos necessitando nas nossas vidas. “O que eu tenho feito?”, “O que eu quero?”, “O que eu espero?”, “O que eu evito?”; são perguntas que auxiliam na reflexão daquilo que faz parte das nossas necessidades.

Esse texto não é uma receita. Não existe um padrão ou um modelo a ser seguido daquilo que nos pode ser significativo. Talvez uma das formas possa ser aprendendo a ouvir o que nos é indispensável, reestruturar os próprios sentidos e atentar para aquilo que nos potencializa como sujeitos responsáveis pela nossa existência.

Inclusive, os clientes em atendimento psicológico geralmente se apresentam com um sofrimento acerca dessa existência. Os sentidos que mobilizam o sujeito para a felicidade há muito tempo não são ouvidos e a vivência se torna vazia e monótona. Tão monótona que pelo fato de não se ouvir, a pessoa dá o poder a outras pessoas decidirem o que é melhor para as suas próprias vidas de forma que os sentidos se confundem com as expectativas sociais acerca de nós. Em pouco tempo, essa felicidade se vincula então ao afeto da mãe, aceitação dos amigos, ao reconhecimento do chefe no trabalho e assim vai.

Em outras palavras, quando não estamos bem tendemos a ignorar as nossas necessidades alertadas pela nossa percepção e vinculamos nossa satisfação à dependência das atitudes do outro. É tanto que, quando nos sentimos seguros daquilo que nos faz bem atendendo na medida do possível aquilo que precisamos, tendemos a perceber o nosso mundo e nossos relacionamentos de outra forma. O mundo pode estar desabando, mas quando atentamos para os fatos significativos dessas experiências, percebemos aquilo que nos faz bem.

A felicidade eterna não existe. O sofrimento faz parte da existência humana, mas a forma como lidamos com ele é que faz a diferença. Talvez esse seja o ponto mais importante nos clientes em atendimento. Reconhecer aquilo que é realmente necessário se orientando através daquilo que é sentido, pode proporcionar um crescimento no qual a pessoa se sinta potencializada e não vítima, mas agente da própria existência.