quinta-feira, 6 de maio de 2010

Quando o amor se torna tirania

Esse texto pode ser um banho de água fria para as pessoas que sentem que amam demais e não são retribuídas. E, de modo geral, esse sentimento de se sentir injustiçada é mais comum nas mulheres. O relacionamento que no início andava bem para o casal pode começar a dar dor de cabeça para ambos, e a frustração se torna rotina.

Por que o relacionamento muitas vezes chega a esse ponto?

Pela forma como cada um encara a vida de casal. A mulher apresenta um forte lado emocional para o homem, e entende que o homem precisa retribuir os esforços que ela faz para estar com ele. Então, se eu abro mão de estar com minhas amigas para estar com meu namorado, o que é que custa ele abrir mão de vez enquando dos amigos dele para estar comigo? Ele até que me dá atenção, mas às vezes ele prefere estar fazendo outra coisa que não seja comigo. Será que eu não sirvo mais para ele ou será que ele não gosta mais tanto de mim?

Esses pensamentos se tornam recorrentes para a mulher e a infernizam de modo que elas precisam afastá-los o mais rápido possível. O modo como muitas delas encontraram para solucionar esse incômodo foi requisitar ao homem esforços ou pequenas provas para que possam lidar com insegurança que é a de amar e não se sentir amada. Só que daí surge outro problema que desgasta o relacionamento do casal.

Quando as mulheres dizem aos homens o que devem fazer para elas se sentirem valorizadas, mesmo que homem faça o que foi pedido, a mulher pode não ficar satisfeita com a situação, pois pode perceber que o homem não fez o que ela pediu com vontade real de fazer. A briga começa logo em seguida já que homem, indignado que cumpriu o que era para ser feito, ainda precisa lidar com o mau humor da mulher que não aceitou o que ele fez, pois ela achou que não foi sincero. O amor começa a se tornar tirania, pois existem ações que precisam ser tomadas para que a mulher ou o homem se sintam seguros na relação, quando na verdade essas ações em si não provam nada – só dificultam o sentimento do gostar sincero o outro.

O fato da mulher geralmente se doar emocionalmente muito ao relacionamento não acontece por acaso. Antropologicamente, a mulher passou milhares de anos cuidando sempre da família e do homem. Muitas vezes seu papel social era limitado a essas funções, e até hoje ainda existe uma pressão cultural em cima da mulher solteira e o preconceito social de que a mulher não consegue ser feliz se não estiver em um relacionamento.

Para o homem, durante muitos anos, a caça era uma atividade feita em bando com outros homens ou mesmo sozinhos, e só parte do dia era voltado para a família e mulher. Mesmo com o passar dos anos, o homem foi sendo criado para atividades que não o prendiam ao relacionamento ou a vida em família como a preparação para a guerra, para o trabalho, etc. Ele foi criado com relativa independência.

A mulher foi aprendendo a priorizar o relacionamento em detrimento de outras atividades de sua vida pessoal, e muitas vezes quando ela sente que o que faz não é suficiente para fazer com que o homem abra mão de outras atividades por ela, os sentimentos de frustração e insegurança se tornam comuns nos pensamentos dela. Para muitas mulheres, é prazeroso passar dias seguidos com o namorado ou com o marido, mas às vezes para o homem se torna cansativo, pois tem outras atividades que ele sente necessidade de fazer.

Logo, não adianta se chatear ou usar de chantagem emocional ou ficar mau humorada – estratégias comumente usadas - para conquistar a atenção do outro. Por mais que você seja importante para ele - e acredite é mesmo porque se não ele provavelmente não estaria contigo – existe o espaço individual que precisa ser respeitado.

Ninguém nunca vai conseguir suprir completamente a necessidade de outra pessoa, por isso é importante que cada um saiba reconhecer e valorizar o que pode dar e receber nos relacionamentos. Viver idealmente de modo que o resto do mundo deixe de ter importância para o momento a dois é fundamental em alguns momentos, o problema é quando isso se torna objetivo constante buscado por um dos dois no relacionamento do casal.

domingo, 2 de maio de 2010

Escravos do tempo racional

“Penso, logo existo.” Essa frase proferida no séc. XVI por René Descartes traduz, em parte, o que estaria por vir nos valores e organização da sociedade nos séculos subseqüentes. O filósofo separou a idéia de mente e de corpo valorizando o racionalismo como modo de conhecimento da realidade, e isso possibilitou o surgimento da ciência e da tecnologia. O homem conheceria o mundo através da razão, e buscaria objetivar experiências através de métodos específicos e delimitados.

Isso trouxe várias conseqüências para o ser humano. Os avanços na qualidade de vida objetiva da espécie ao longo dos anos são mais fáceis de perceber como novos medicamentos, avanço da tecnologia, velocidade das informações etc. A questão é que, embora a racionalidade pudesse promover maior otimização do conhecimento e do tempo, a espécie não admitiu a importância da adaptação subjetiva nas transformações ocorridas.

Vamos pegar o exemplo do tempo. No Ocidente, o valor do tempo produtivo firmado pelo capitalismo foi tão forte que não é raro encontrar pessoas que não sabem lidar com seu tempo livre. Estar ocupado e sem tempo virou sinônimo de ser produtivo. A racionalidade foi se impondo de modo que o tempo objetivo foi se destacando em relação ao tempo subjetivo. É como se, ao fazer aquilo que a sociedade te diz que deve ser feito, o sujeito se sente tranqüilo, pois pode pensar que a vida dele passa a ter sentido por ser produtivo. Nas próprias escolas, a criança vai sendo educada desde muito cedo para fazer atividades que inventaram ser produtivas, mas que na verdade em grande parte só fazem sufocar o tempo livre. Usar esse tempo para pensar e se deparar com suas questões subjetivas é quase um “estar sem fazer nada”.

Nessa lógica, as ações começam a só ter sentido se tiverem um objetivo específico. Aos poucos, as atividades que gostamos de fazer e que não possuem uma justificativa racional vão sumindo do dia a dia por parecer perda de tempo. O mais interessante é que dificilmente surge sentimento de culpa quando fazemos o que não gostamos, mas somos racionalmente produtivos; enquanto que, ao fazermos algo que gostamos e não somos tão “produtivos”, nasce mais facilmente o sentimento de culpa, mesmo sendo uma atividade extremamente prazerosa.

De repente, o indivíduo não sabe nem dizer o que está lhe causando tristeza ou sensação de vazio. Tem uma casa boa, um trabalho bom, estabilidade financeira, mas o incômodo existencial persiste, ainda que racionalmente não haja motivo para esse desânimo. A razão forneceu alternativas mobilizando o indivíduo a buscar atividades que preenchessem o tempo dito improdutivo na tentativa de sanar um buraco que não pode ser fechado dessa forma.
E de que forma então se resolve esse problema?

Saindo do escravismo da razão. Diferente do que Descartes postulou no séc. XVI, a racionalidade não consegue ser a única resposta para o entendimento humano da realidade. O tempo produtivo, no modo como foi colocado ao longo da história, tentou objetivar e dar sentido a ações que nem sempre conseguem ser significadas pela razão. O homem buscou tanto se destacar dos outros animais através da racionalidade que deixou de perceber que também é um ser emocional.

Se for parar para pensar, os outros animais não têm problemas com questões existenciais e se satisfazem simplesmente em ser. No homem, as emoções foram sendo afastadas de modo que o ter ganhou destaque em relação ao ser, e isso provocou uma ruptura nos processos de subjetivação para a espécie. É tanto que muitas pessoas se incomodam de dar espaço para o tempo livre, pois se deparam com a fragilidade de sentido que têm a própria vida que foi construída; buscam justificativas para o que fazem e não se permitem simplesmente viver alguma coisa.

Ainda que a razão tenha possibilitado o progresso da humanidade em vários sentidos, pode-se pensar: o quanto custa ainda hoje esse chamado progresso? Qual o sentido que cada um de nós tem dado a vida? A racionalidade talvez tenha se demonstrado não tão inteligente quanto se pensava ser.

Enquanto tivermos a necessidade de sufocar nosso tempo subjetivo nos afastando do real sentido que temos dado a vida, seremos escravos da razão. Ainda que insistamos nisso, o homem não é só racional e ignorar o aspecto emocional pode significar uma ruptura existencial tão drástica que será necessário no mínimo uma agenda lotada para fugir da falta de sentido que a vida adquiriu.