domingo, 4 de outubro de 2009

Ego perdido

Já dizia um psicanalista famoso “o olhar do outro é o nosso espelho” (Lacan, ano). Em diversas situações essa frase faz sentido, mas acredito ser muito pouco nos limitar ao olhar social. Não só isso, esse jargão carrega em si um costume implícito de comparação que criamos na nossa relação com os outros.

Exemplificando, quando nos dizemos bonitos ou inteligentes ou carismáticos estamos nos referindo não só ao que já nos foi dito, mas nos comparamos a uma “média social” pré-estabelecida pela cultura. O sujeito, ao se considerar qualquer uma dessas qualidades, busca se destacar dos demais. É só prestar atenção. E qual o problema que isso pode causar?

Aparentemente nenhum tão grave, pois é só nos ajustarmos à lógica de competição favorecida pela luta no mercado de trabalho e pronto, problema resolvido. Ao estar numa entrevista coletiva em busca de emprego tenho que demonstrar que sou melhor que o meu concorrente. A questão são os problemas surgidos dentro dessa (i)lógica busca pela valorização. Se o ato de se valorizar implica numa comparação das minhas potencialidades em relação ao outro e se esse mercado afetivo se torna cada mais competitivo, vale tudo para se destacar.

Denegrir ou sujeitar alguém a humilhações sejam essas diretas ou indiretas é de alguma forma se assegurar de que naquele momento você mantém o outro numa condição inferior. Além disso, infelizmente, aquele capaz de fazer isso assume uma posição de destaque quando se mantém nesse lugar de opressor (Freire, ano). Assista a um filme de comédia teen americano que não vai ser difícil encontrar cenas onde a humilhação do outro se torna o centro de humor. Aquele que produz a humilhação passa a ser valorizado. Esses valores postulados vão sendo disseminados e associados na sociedade de forma que “o cinema e a literatura podem ser filosóficos a partir da própria força com que são capazes de gerar conceitos”. (Cabrera, ano)

Pode até ser que exista um “caráter” para regular essa competição por afeto. Tenho que me destacar, mas não vou derrubar o outro nesse processo. Se estivéssemos mais seguros de nós isso tudo não seria necessário.

O mercado da auto-imagem custa caro. Nas relações com as pessoas não é raro tentar vender nossa imagem buscando incessantemente que outro acredite naquilo que acreditamos de bom em nós mesmos. Ao percebermos que essa estratégia não funciona podemos recorrer a outros recursos vendidos pela sociedade de bens valorizáveis como um bom emprego, um bom salário, uma boa família. Dessa forma podemos ter a impressão de ser estimados pelo outro pelo menos por um instante.

Esse instante passa. Ser valorizado e estimado se torna um vício. O apreço social constante se torna indispensável para nossa saúde psicológica e o dia a dia alcança esse objetivo sem nem nos darmos conta. De repente, a insegurança nos guia a competir inconscientemente para conseguir aquele momento, nem que seja curto, de tranqüilidade e satisfação. A necessidade de provar para nós mesmos ou para os outros que somos capazes disso ou daquilo pode nortear nossos comportamentos.

Essa aprovação tem o valor inclusive de troca.

As relações de amizade, de namoro e de familiares se transformam quase que em relações comerciais. O que você pode me oferecer ou o que você sabe fazer; a partir disso desenvolvo uma referência em relação a comportamentos que posso ou devo tomar. A pessoa com todos os seus defeitos e qualidades passa a ser esquecida em detrimento dos serviços que esta pode prestar.
Nada disso precisa ser necessário. A noção de bem estar individual foi construída historicamente e podemos perceber as conseqüências hoje desses egoísmos. Quando os livros de auto ajuda escrevem sobre bem estar, geralmente colocam idéias que todo mundo conhece sobre a auto-valorização, mas ainda tem o foco no indivíduo. Aprender a se valorizar é extremamente importante, mas aprender a perceber o outro pode ser ainda mais construtivo do que buscar o ego perdido.

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